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Ai! se eu te visse em languidez sublime, Na face as rosas virginais do pejo, Trêmula a fala, a protestar baixinho… Vermelha a boca, soluçando um beijo!…
Amor e Medo
de Casimiro de Abreu

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Como morre um grande amor

Norma Santi

Poema selecionado como Grande Destaque do Banco de Talentos Fenaban 2009

Um grande amor não morre. Suspende-se.
Toma uma rua paralela.
Sorrateiro que é, ignora o não e se junta ao plano das horas.

Um grande amor não morre.
Apressa-se antes em crescer.
Unem-se a ele cada palavra não dita, cada gargalhada repentina e incontida.

Um grande amor não morre.
Senta-se na poltrona mais confortável, assiste um cobertor e puxa a lista dos filmes prometidos.
Um grande amor não morre.
Recusa-se a fechar a janela exuberante da paisagem que continua ali, exibindo-se.

Um grande amor não morre.
Expande-se e agiganta-se porque deixamos que brotasse em nós.
Cresce alheio à interrupção a qual o submetemos.

Um grande amor não morre.
Rende-se ao tempo.
Guarda dentro de si todas as canções,
Todos os olhares que por ora estão detidos.

Um grande amor não morre.
Pacientemente aguarda.
Demora-se a compreender os porquês.

Fica perplexo ao ver seus sonhos um a um pendurados na linha paralela.
Linha onde ficam todos os amores subitamente interrompidos.
Todos os amores andarilhos, abandonados, órfãos.

Um grande amor não morre.
Subalimenta-se.
Insiste faminto a revirar restos que o mantenham vivo.

Presente.
Caminha de dia e a noite recolhe-se num canto qualquer em que lhe deem abrigo.
Sente o frio do esquecimento.

Um dia parte. Mas, partir para um grande amor não é morrer.
É transmutar-se.
É mansamente adormecer sob a doce sombra do alvorecer.

domingo, 1 de novembro de 2009

Fios

Norma Santi

Recolhi versos,
Juntei palavras,
E fiquei colhendo mágoas.

Amontoei saudades,
Provoquei pensamentos,
E deixei que me atormentassem as dúvidas.

Contive raivas,
Deixei folhas em branco,
E não salvei os rascunhos.

Contei fábulas,
Criei imagens fantásticas,
E esqueci a moral da história.

Criei novas formas,
Inventei matizes,
E ignorei a fórmula de ser feliz.

Ultrapassei medidas,
Venci estradas,
E corri para longe de mim.

Juntei velhos retalhos,
Espanei novas incertezas,
E refiz os caminhos até meu coração.

Teste

Houve um tempo em que parava para absorver o gosto das coisas. Cada um era uma descoberta. Sentia a força do dia. O amanhecer com seu frescor azul. O alvorecer, o sol espreguiçando seus primeiros raios. E eu o via nascer devagarzinho, sem pressa. O meio do dia do verão, uma certa preguiça no ar, uma cigarra barulhenta, um galo de asas abertas.

O ar morno da primavera. A intensidade do frio no inverno. A renovação do outono. O barulho do pinhão caindo no chão, retorcendo-se na chapa quente do fogão à lenha. Os de diferente sorte, escondendo-se sob a terra para no silêncio do inverno preparar a explosão de brotos. A nova árvore, macho e fêmea de longo tempo para amadurecer.

O entardecer laranja, as nuances. O pouso cansado, barulho em volta da mesa. O pão e o vinho, a cadeira de palha. A algazarra das crianças. Um movimento de dormir, mal o dia tinha se refugiado nas costas da noite. Noite e dia vividos nas suas primitivas intenções.

Terei esquecido de sentir o gosto da vida? A vida tem o gosto que damos a ela. Os sabores que somos capazes de identificar num copo de bebida. Numa comida feita na hora. Ao apressar a vida deixei para amanhã o seu sabor. Não lembro o que comi hoje e nem que gosto tinha. Às vezes precisamos de uma mão amiga, de um olhar atento ou de uma fala mansa que nos diga: olha lá o dia está cheio de sol esperando para ser vivido.

Um dia para ser sentido. Um dia para sentar e deixar o tempo comandar os passos, sem sobressaltos. Um dia para sentir o tempo na mão, na mansidão de um abraço, na ternura de conversas entrelaçadas.

Agora volto ao espaço de um tempo. Reencontramo-nos, o tempo e eu, nas longas sombras de um fim de tarde. Em pé sobre uma pedra espio a virada do tempo. Ele vem para mim e me sorri. E então nada passou. Aconchego-me em seu colo. Como um feto, recolho-me até que a imagem microscópica do que já fui um dia me atinja. Eu e ela agora somos de novo a mesma. Nem eu a esqueci no passado nem ela me abandonou no futuro. Damo-nos as mãos. E o anjo que nos uniu sorri.

sábado, 29 de agosto de 2009

Não me deixe no chão

Norma Santi

Quero voar com você,
Enfeitar a luz do dia,
Trazer o reflexo do mar para dentro do seu olhar.
Voar por sobre os dias,
Deixar o azul nos banhar.

Quero voar com você.
Trazer sua mão para junto de mim.
Caminhar com os pés no ar,
Voar com a cabeça no chão.

Circundar você.
Abrir os braços e ser livre com você.
Olha,
O dia nos espera
O céu, meia circunferência
O arco-íris lilás.

Preste atenção
A todos os sinais que envio.
Eles são para dizer que amo você
E que há uma porta aberta
Sob o céu de duplo luar.

É lá que espero você.
Olhe,
Preste atenção que quero voar com você.
Não me deixe no chão.

Me leve com você.
Deixe-me voar com você.
Quero estar com você quando o dia voltar a amanhecer.
Não me deixe no chão.

Há uma imensidão que me chama
E eu me aproximo dela.
Ela descreve suas imensas asas sobre mim.
Por isso mais uma vez peço
Não me deixe no chão.

Quero correr ao seu lado
E me lançar quando a luz do sol nos alcançar.
Meu movimento completa o seu.
É uma pena que eu não saiba desenhar.

Fica meu verso torto,
Minha rima desencontrada,
Um traço mal acabado
Na linha que cruza o céu.

O traço por sobre qual
Agora nós voamos.
Pequenos pontos distantes:
A imensidão e o poro.

E eu danço.
Danço porque você está distante
E meu corpo quer se soltar do chão.

sábado, 25 de julho de 2009

Ponto

De meu amigo Osmar Passaura

Osmar Passaura

Ponto a Ponto
De tanto Ponto quase fico tonto
Tonto é quem dorme no Ponto
De tanto ficar no Ponto, já estou quase a Ponto

Em que Ponto você está?
Deste ponto a que ponto vamos chegar?
Diante de um Ponto, viajo a outros Pontos
O teu olho é um Ponto

Ponto terminal
Ponto final
Primeiro Ponto
Ponto a Ponto

Ponto

Calo

Norma Santi

Calo-me eu. Por que calas tu?
O calo da vida. O silêncio da boca.
O calo marca, em ásperas camadas,
As dores da pele fina.

O silêncio é o calo do grito
Marcado em curvas do infinito
O calo é duro,
O calo é nobre,
O calo é a pele que me cobre.

O calo é o registro do tempo.
O calo é a cápsula da lágrima.
O calo sob o pés, os passos da epiderme.
O calo vocal.

O calo são nossas dores
Voltadas para o lado de fora:
Espessas,
Explícitas,
Escancaradas,
Paradoxalmente ensimesmadas.

O calo empilha e circunda as horas caladas de nossas vidas.

sábado, 9 de maio de 2009

Palavras

Norma Santi

Aonde estão escondidas as palavras que quero te dizer?
De tempos que as espero.
Ah! Sei sim que são raras, combinadas uma a uma
Pensadas em cada detalhe para que não desmoronem
Ao sopro do primeiro vento

Nenhuma doce palavra acabará na frieza de um chão áspero.

Devem, as palavras, conter cada fragmento das sensações registradas
Cada gosto provado
Cada gota de vinho sorvido.

Devem ser elas paridas à luz de um doce veneno
Devem conter cada gesto pequeno
Cada som sôfrego,
Cada sussurro
Cada surpreendente confissão

Devem também conservar o riso
Eternizá-lo nas moléculas do tempo

As palavras, essas que me invadem
São o cobertor que me cobre
Quando seu corpo se perde do meu

As palavras abraçam-se pelo meu pensamento vazio
Misturam-se, amam-se
Tentam em vão registrar a grandeza de cada infinito gesto
De cada olhar retido

De cada sorriso em ato seguinte ao êxtase

Mas eis meu lindo amado a minha estranha descoberta
A de que nenhuma palavra foi criada
Nem mesmo por um insistente poeta
Que de passagem pelo tempo
Quisesse eternizar um momento
E fazer dele seu grande talento.

Vai ver então que não é possível este meu intento
De colocar em palavras
Coisas que só cabem no meu e no teu pensamento.